domingo, 6 de dezembro de 2015



O rei de um país distante apaixonou-se por uma bela pastora. Tendo-se a ela declarado a pastora lhe respondeu corresponder aos sentimentos, feliz o rei abdicou de toda a sua majestade, poder, glória e demais benesses de seu real estado para se fazer um humilde pastor e assim estar mais perto daquela que amava, no entanto a pastora longe de o buscar e aceitar esta prova de amor lhe é infiel indo-se com uns e com outros em devaneios e paixões aviltantes, deixando o rei-pastor só com seu sentimento de abandono mas sempre guardando a esperança de que a sua amada regressará algum dia aceitando o seu amor sincero e vivendo unidos atinjam a felicidade. O poema que se segue da autoria de São João da Cruz conta esta mesma história colocando Cristo no lugar do rei que se faz pastor por amor de uma pastora (Alma Humana) sofrendo com a sua indiferença e infidelidades recorrentes sempre acreditando nas falsas promessas de renovação e juras de amor sincero. Nada pede e tudo dá mas a pastora prefere buscar a sua felicidade longe do seu amado deixando-o abandonado e ferido no peito. Não lhe doí, diz o poema ver-se assim atormentado mas doí-lhe pensar que a pastora não guarda a sua memória ou seja dele não se recorda. É um amor incondicional como o de Cristo para com as nossas Almas por quem se apaixonou e sendo rei se fez pequeno para melhor a poder desposar.

 Um pastorzinho só está apenado,
Alheio de prazer e contento
E na sua pastora posto o pensamento
 E o peito de amor muito magoado.

 Não chora por ter-lhe o amor chagado
 Que não lhe pesa ver-se assim afligido,
 Ainda que no coração esteja ferido
 Mas chora por pensar que está esquecido.

 Que só de pensar que está esquecido
 Da sua bela pastora com grande pena
 Se deixa maltratar em terra alheia,
 O peito do amor muito magoado.

 E diz o pastorzinho: Ai, desditado
 Daquele que do meu amor fez ausência
 E não quer gozar a minha presença,
 E o peito pelo seu amor muito magoado.

 E ao cabo de muito tempo se elevou
Sobre uma árvore abriu seus braços belos
 E morto se ficou assim com eles
 E o peito do amor muito magoado.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Testamento espiritual de Alessandro Serenelli (1882-1970)

Talvez nunca tenha ouvido falar de Maria Teresa Goretti (hoje Santa Maria Goretti depois de ser canonizada pelo Papa Pio XII) e muito menos de Alessandro Serenelli mas vale a pena conhecer e meditar um pouco sobre a vida destas duas almas e de como a conversão e o perdão podem vir das formas mais impensáveis e terríveis.
Não aprofundarei os dados biográficos dos intervenientes por não vir ao caso, falarei apenas do incidente que os uniu e de que forma veio a influenciar o futuro de Alessandro. Ele era um jovem robusto de 20 anos ela uma jovem de 11, não se sabe o que terá passado pela mente do jovem mas perdeu-se de desejo pela menina e numa manhã em que a pequena Maria Teresa se encontrava sozinha em casa entrou na cozinha e tentou violá-la ameaçando-a de morte como a jovem não se submetia gritando-lhe que parasse, que era um pecado grave o que estava a cometer e que seria condenado ao Inferno Alessandro apunhalou-a 11 vezes soltando-a, Goretti ainda tentou alcançar a porta de saída mas sem sucesso, recebeu ainda 3 punhaladas antes do agressor fugir, a família e vizinhos alertados pelos gritos da jovem e o choro da irmã Goretti mais nova acorreram a casa onde a encontraram estendida no chão ensanguentada. Foi submetida a tratamento médico sem anestesia e apesar de sua Fé acabou por falecer olhando para um quadro de Santa Cecília e Santa Inês suspirando: “Eu te perdo-o, quero ver-te comigo no Paraíso”. Estas foram segundo a tradição as suas últimas palavras. O criminoso foi apanhado e condenado em cúmulo jurídico a 30 anos de reclusão, tivesse ele 21 anos (maioridade legal na altura) e teria sido condenado à prisão perpétua. Ao princípio Alessandro não mostrava qualquer sinal de arrependimento nem pudor mesmo quando o bispo da sua cidade o visitou no cárcere para lhe falar do evangelho de Cristo. Alguns dias mais tarde mostrou-se muito perturbado e pediu para falar com o bispo, tinha sonhado com Marietta a sua vítima que trazia 14 lírios (tantos quantas as punhaladas) e sorria-lhe resplandecente. Assim começou a sua conversão. A caminhada foi dura, teve de combater as suas más inclinações, chorou muito e por diversas vezes levado pelo remorso e a culpa pensou suicidar-se mas a certeza do perdão da pequena Maria Goretti e as suas últimas palavras: “Quero vê-lo comigo no Paraíso”, foram um incentivo para prosseguir na sua conversão. No Natal de 1934 visitou a Srª Assunta Goretti mãe de Maria Teresa para lhe pedir perdão, a nobre senhora respondeu que já o havia perdoado há muito tempo e para espanto de toda a vila foram juntos à missa do galo. Mantiveram contacto ao longo dos anos, juntos viram Maria Teresa ser elevado aos altares com o nome de Santa Maria Goretti em 1950 e Alessandro esteve presente junto de Assunta quando está já doente morreu. Alessandro viveu no convento dos frades Capuchinhos de Marerata trabalhando como porteiro, zelador e jardineiro, vivendo uma vida de reclusão e oração até à data de sua morte a 6 de Maio de 1970. O assunto central deste post é o testamento espiritual de Alessandro Serenelli escrito numa idade avançada e encontrada num envelope fechado após a sua morte, o texto foi publicado na Madre di Dio. Mensile Mariano (Novembro 2002), tendo eu utilizado a tradução de Pablo Cervera Barranco na revista Religión en Libertad para fazer a minha tradução para português que agora publico: Sou um velho de quase 80 anos, em breve terminarei meus dias. Deitando um olhar sobre o passado, reconheço que na minha primeira juventude percorri um caminho falso, a via do mal que conduziu à ruína. Via tudo através da imprensa, os espectáculos e os maus exemplos que seguem a maioria dos jovens sem nem sequer pensar. Eu fiz o mesmo. Não me preocupava. Pessoas crentes e praticantes tive perto de mim, mas não lhes prestava atenção, cego por uma força brutal que me empurrava para um mau caminho. Aos 20 anos cometi o crime passional de que hoje me horrorizo só de recordar. Maria Goretti, agora santa, foi o anjo bom que a Providencia havia colocado ante os meus passos para guiar-me e salvar-me. Tenho ainda gravadas no meu coração as suas palavras de compaixão e de perdão. Rezou por mim e intercedeu pelo seu assassino. Seguiram-se trinta anos de prisão. Se não fosse menor de idade, teria sido condenado a prisão perpétua. Aceitei a merecida condenação. Expiei a minha culpa. A pequena Maria foi verdadeiramente a minha luz, minha protectora. Com a sua ajuda, portei-me bem nos meus últimos 27 anos de carcere e tentei viver honradamente quando a sociedade me aceitou de novo entre os seus membros. Os Irmãos de São Francisco, os Capuchinhos das Marcas, acolheram-me com caridade seráfica no seu mosteiro não como servo mas como um irmão e com eles convivi desde há já 24 anos. Agora espero sereno o momento de ser admitido na visão de Deus, de abraçar os meus seres queridos de novo e de estar junto do meu anjo protector y sua querida mãe, Assunta. Os que leiam esta carta, oxalá queiram seguir o feliz ensinamento de fugir do mal e seguir sempre o bem. Penso que a religião com os seus preceitos não é coisa que se possa menosprezar, senão que é o verdadeiro consolo, o único caminho seguro em todas as circunstâncias, até nas mais dolorosas da vida. Paz e Bem! Alessandro Serenelli